Partilhar
Valmir Moratelli
Em uma clínica particular voltada para a classe média, o tratamento mensal de um dependente em crack sai por, pelo menos, R$ 7 mil. Entre os centros de tratamento bancados pela prefeitura do Rio, um paciente custa aos cofres públicos cerca de R$ 3 mil por mês. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), o Rio tem hoje pelo menos 11 cracolândias e outros seis pontos itinerantes de consumo de crack.
Os maiores centros de consumo estão, segundo a prefeitura, nas favelas do Jacarezinho, Manguinhos e Morro do Cajueiro, em Madureira. Nessas áreas circulam diariamente cerca de três mil usuários (20% deles menores). O município gasta, mensalmente, R$ 1,7 milhão no acolhimento e tratamento de viciados carentes.
Mas o crack já chegou à classe média. A reportagem do iG passou um dia na clínica particular Jorge Jaber, em Vargem Pequena, zona oeste do Rio. Lá estão 65 pacientes dependentes de drogas diversas, incluindo o álcool. Mas a maioria esteve envolvida com o crack. “É uma nova realidade que estamos tendo que lidar. O viciado em crack teve sua capacidade cognitiva e social deteriorada, está propenso à irritação extrema, tem comprometimento físico e sem laços familiares. É um ser humano à beira da destruição, um fracassado total, insano.”, define o psiquiatra Jorge Jaber, que dá nome ao local.
Já no Centro Especializado de Atendimentoà Dependência Química Ser Criança, em Guaratiba, também na zona oeste do Rio, mantido pela prefeitura, 50 jovens menores de 18 anos, todos do sexo masculino, tentam voltar à vida normal. Muitos não sabem ler e escrever, preferem ser tratados com apelidos de rua e não sabem o que é hierarquia. “Aqui eles precisam reaprender a viver em sociedade. Tem hora para brincar, para comer, para dormir. Não é fácil, porque gostavam da vida sem limites que tinham”, conta Vatusy Ramos, coordenadora do espaço.
Diferenças no tratamento
Após visita a dois centros de tratamento, o particular e o da rede pública, a reportagem do iG pôde perceber algumas diferenças na forma de lidar com o dependente. Em ambas, as atividades precisam ter horários pontuais, seguidos rigorosamente por todos. Mas na primeira, há psicólogos e terapeutas ocupacionais em maior número para orientar as conversas e até a forma de encarar os problemas individuais. As reuniões tanto acontecem em grupo, quanto individualmente. Com as crianças, o cuidado está na formação básica, já que muitos não são nem alfabetizados. “Ninguém pode ser tratado com apelidos que ganharam nas ruas. Aqui é para se buscar o resgate da identidade. Não podemos incentivar a informalidade”, conta Vatusy.
Claro que a clínica particular tem uma estrutura mais equipada, com mais profissionais à disposição. Muito mais médicos, mais psicólogos. O rigor na condução do tratamento na clínica particular é maior, até porque não lida apenas com crianças. Ali há, em sua maioria, adultos em mais de uma internação. A prefeitura não tem um centro especializado para viciados maiores de 18 anos.
Os dependentes de crack adultos são levados para a Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor, em Paciência, zona oeste da cidade, com 350 vagas. Ali há também acolhimento e atendimento especializado de moradores de rua. No local, os usuários são avaliados e orientados para o atendimento contra a dependência química nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) da Secretaria Municipal de Saúde. Os abrigados podem tirar nova documentação, participam de encaminhamentos focados no aumento do ensino, reaproximação familiar, capacitação profissional, questões habitacionais, inserção no mercado de trabalho, além de atividades recreativas e passeios e focados em entretenimento.
Os pacientes de classe média ou de origem humilde, também guardam aproximações. Todos dizem que “chegaram ao fundo do poço”, termo recorrente entre os dependentes. Os olhos são fundos, tristes. Poucos sorriem. Falam com dificuldade, em certos casos devido à medicação pesada. Reconhecem que precisam de ajuda e que lutam para ter uma vida digna, com trabalho ou de volta à escola. A questão, dizem os psicólogos, é que nada é fácil em se tratando do crack. A vigilância é para o resto da vida.
Para o médico José Veríssimo, da clínica Jorge Jaber, todo o combate que se tem feito (pelos órgãos governamentais) é de "enxugar gelo”. “Os resultados são pequenos porque o maior desafio é o que vem depois do tratamento, como restabelecer os laços familiares e uma vida social, longe das drogas", diz o médico. Vatusy reconhece que os resultados são obtidos timidamente, um por vez. “Meu maior aperto no coração é quando tenho que liberar um jovem para ir embora, após três meses internado. Sei que ele vai ter grande chance de voltar ao contato com as drogas, porque não tem uma base familiar sólida... Muitos moram em frente à boca de fumo da favela", conta.