sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pagamento de comissão alimenta “empurroterapia” nas farmácias

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Prática comum em drogarias do Paraná, substituição de remédio prescrito pelo médico é proibida e prejudica clientes, atendentes e farmacêuticos
Carolina Gabardo Belo, especial para a Gazeta do Povo
Seis entre dez paranaenses já receberam a indicação de atendentes de farmácias para trocar o remédio de referência ou o genérico por um similar. Destes, 60% foram in­­fluenciados e aceitaram a prop<souza_angeloan@hotmail.com>osta, de acordo com levantamento de opinião realizado pelo instituto Paraná Pesquisas, com exclusividade para a Gazeta do Povo. O le­­vantamento mostra que a abordagem dos atendentes é re­­corrente e que o valor destes medicamentos em relação aos demais é determinante para a troca em quase 80% dos casos.
Muito comum nos estabelecimentos farmacêuticos, esta prática interfere no tratamento dos pa­­­cientes e na conduta dos farmacêuticos. E ela só ocorre porque existe um esquema de pagamento de comissões, que envolve redes de farmácias e laboratórios.
As irregularidades começam no balcão da farmácia, com a indicação de medicamentos pelos aten­­dentes. Esta é uma função atribuída exclusivamente aos farmacêuticos, que são os responsáveis por toda a venda de remédios nos estabelecimentos. Proibida pela Lei Federal nº 9.787, de 1999, a troca de medicamentos de referência ou genérico pelos similares é permitida apenas quando o nome do produto está especificado na receita prescrita pelo médico. “Tentar em­­purrar o similar é má-fé. O clien­­te precisa ter clareza de que deve procurar o farmacêutico para ser orientado”, alerta o vice-presidente do Conselho Federal de Far­­mácia, Walter Jorge João.
Pagamento é controverso
Mesmo que seja paga pela venda de um medicamento similar ou de referência, a comissão não é proibida e varia de acordo com os acertos entre as redes de farmácias e os laboratórios. Entre os profissionais da área, a medida é alvo de críticas por estimular o consumo de medicamentos. “É imoral estimular o paciente a levar um medicamento que não precisa”, afirma a presidente do Sindicato dos Farmacêuticos no Estado do Paraná, Lia Mello de Almeida. “Este consumo pode não ser necessariamente o adequado ou não é o que o usuário precisa”, complementa a presidente do Conselho Regional de Farmácia do Paraná, Marisol Dominguez Muro. (CGB)
Medo e desinformação inibem denúncias
Mesmo com as trocas diárias de receitas, as denúncias desta prática ilegal são praticamente inexistentes. Em 2008 e 2009, apenas um caso foi notificado por ano enquanto em 2010 duas de­­núncias passaram pelo Conselho Regional de Farmácia do Paraná. O grande motivador das denúncias é a orientação dada pelo mé­­dico assim que percebe que o tra­­tamento de seu paciente foi alterado. Nos demais casos, raramente o consumidor fica ciente de que sua compra foi induzida. A fraude é comprovada pela análise da receita com a nota fiscal do medicamento comprado na farmácia.
O medicamento similar não passa pelos testes de bioequivalência e biodisponibilidade que verificam se ele é equivalente aos de­­mais e quais suas reações no organismo. A ausência desta avaliação impossibilita a certeza de que o re­­médio possui a mesma qualidade ou efeito no tratamento. A expecta­tiva é que este quadro mude até 2014, quando todos os medicamentos deste tipo já tiverem passado pelo processo de avaliação, conforme determinação da Agência Nacional de Vi­­gilância Sanitária (Anvisa). Por enquanto, apenas os remédios similares considerados de maior risco, como antibióticos, an­­tineo­­plásicos (para casos de câncer) e an­­tirretrovirais (direcionados aos pa­­cientes HIV positivo), por ordem de prioridade, já estão em processo pa­­ra a adequação dos testes.
Troca
A venda dos medicamentos similares tornou-se a grande fonte de lucro das redes de farmácias. O estímulo para que os atendentes façam parte das campanhas é o pagamento de comissões que complementam o salário dos funcionários. Algumas redes estabelecem metas de vendas para o estabelecimento – que chegam a R$ 35 mil por mês–, de acordo com a comercialização média do ponto e a localização da loja. “A farmácia vive do similar e não do genérico ou de referência, que não dão lucro”, afirma a atendente de uma farmácia de Curitiba que prefere não se identificar. Ela conta que cinco laboratórios pagam comissão e, estipuladas as metas de venda de diversos medicamentos similares, os atendentes são obrigados a atingir a cota, sob o risco de serem dispensados caso não consigam.
Para atingir a meta es­­ta­­belecida pela admi­nis­tração das redes, não resta aos atendentes outra opção que não seja a indicação do medicamento no balcão da farmácia. Entre eles a prática é chamada de “trocar a receita”, quando se consegue convencer o consumidor a escolher o similar ao invés dos outros medicamentos. O argumento mais forte para o sucesso da troca é o preço dos produtos. O va­­lor baixo em comparação aos de­­mais é fruto do acordo com os laboratórios e da maneira como os or­­çamentos são apresentados pelos atendentes. “A ordem é trocar a re­­ceita. Para isso, mostramos o valor inicial do medicamento ético e o do similar com o desconto. Assim fica bem mais barato”, explica a aten­­dente, que costuma usar a ex­­pressão “tenho o medicamento de outro laboratório, que está mais em conta e tem o mesmo princípio ativo” para garantir a venda.
Os medicamentos similares também são adquiridos por um valor muito inferior ao de mercado. Com a compra de poucas unidades, as redes ganham dos laboratórios lotes de remédios que são vendidos a preço baixo. O ganho dos lotes permite que praticamente todo o lucro obtido com a comercialização fique com a rede. “A farmácia coloca um preço no medicamento prevendo mais 4% que será repassado ao atendente”, denuncia. Geral­­mente os gerentes das farmá­­cias ganham R$ 1 na venda de cada caixa, enquanto os atendentes precisam vender pelo menos dez unidades para começarem a receber a bonificação. O tamanho do esquema é percebido no final do mês, quando os salários chegam a dobrar graças às comissões.


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Equipe A.R.C.A.
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