DYANDREIA PORTUGAL
Fui a uma peça de teatro que mexeu muito comigo e me fez pensar em algumas questões antes nunca pensadas. Sou gorda. Sim gorda! Uns me chamam de gordinha, outros de fofinha. Uns falam que eu tenho o corpinho avantajado e outros, mais otimistas e carinhosos, falam que eu apenas tenho excesso de gostosura. Tudo bobagem, eu sou é gorda! Porque será que essa palavra é tão incomoda para algumas pessoas. Dizer feia, baixa, burra etc. E bem mais fácil que dizer gorda. Por que será? Uns até chegam a dizer que chamar alguém de gorda não é de bom tom ou até deselegante. Por que ser gorda incomoda tanto? Por que estar fora dos padrões é algo tão abominável? Sinto que, para a maioria das pessoas, lidar com uma pessoa gorda é mas difícil que ser a própria gorda.
Voltando a peça de teatro. O nome da peça era simplesmente “GORDA” e Release do folheto dizia o seguinte: “Apresentada nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Escrita pelo americano Neil Labute e dirigida pelo argentino Daniel Veronese, estréia no Teatro Procópio Ferreira, após sucesso de público e crítica no Rio de Janeiro, onde mais de 25 mil pessoas conferiram a história de um executivo bem-sucedido que tem que lidar com o preconceito dos colegas de trabalho, por ter se apaixonado perdidamente por uma mulher inteligente, sensual, divertida, mas com 30 quilos acima do peso.”
Bem apesar de ser carioca, não tive a oportunidade de ver a peça em minha cidade. Mas como além de gorda eu sou muito sortuda, eu tive a oportunidade de assistir essa peça em São Paulo e juro para vocês que ela foi uma marco na minha vida. Repensei várias questões e vi de perto um preconceito, que confesso antes nunca ter percebido.
Eu sou uma gorda assumida e feliz. Verdade! Feliz! Eu sempre fui gorda. Não tanto como sou hoje, mas nunca fui magra. Aprendi a lidar com isso desde pequena e tenho uma auto-estima muito bem trabalhada. Não me lembro de ter passado humilhações e nem muito menos ter passado por privações na infância ou na juventude por causa do meu peso. Muito pelo contrário, eu sempre fui o centro das atenções dos grupos dos quais eu fazia parte. Sempre tive um temperamento forte, comunicativo e alegre. Possuía uma liderança natural e minha inteligência e bom papo fazia com que eu conseguisse namorar qualquer rapaz que eu escolhesse. Talvez isso tenha sido motivo suficiente para minha auto-estima se desenvolver e não permitir que nada nem ninguém dissesse o contrário para mim. Mas confesso saber que não é sempre assim que funciona. E isso desmotiva qualquer um que acredita em igualdade, liberdade e democracia.
Durante a encenação da peça, pude perceber a quantidade de pessoas concentradas e até vidradas no diálogo. Pude perceber os fungados discretos e alguns choros não contidos. Mas também percebi o deboche dos menos esclarecidos, vamos dizer assim. O diálogo estava colocando, como costumamos dizer, o dedo na ferida. A peça era inteligente e divertida, mas não deixava de abordar com nitidez tal questão. Posso defini-la como uma comédia dramática. Se é que isso existe.
Na verdade eu assistia a duas realidades bem próximas. Uma estava se desenrolando no palco: Cenas com sensibilidade e elegância de uma gordinha que lutava por um amor de uma forma repleta de auto-estima, carisma e sensualidade que facilmente emocionava, mas que tinha que suportar um grupo de pessoas preconceituosas que ditavam o padrão de beleza, dizendo que as mulheres precisam ser magérrimas para serem normais. A outra se desenrolava na platéia: Gordos tendo que lidar com desafio de suportar as piadas hostis inclusive vencendo seus próprios preconceitos e magros lidando com suas próprias mediocridades.
Beleza de fato é uma coisa muito relativa, e portanto, não merece julgamento, mas acho importante a discussão sobre o assunto. Bem como, desmistificar algumas questões como o fato de que todo o negro é pobre ou que todo gordo além de feio é menos capaz. Essas pessoas precisam deixar de ser protagonistas de situações preconceituosas. Temos que parar e analisar a dimensão da dor humana do discriminado. A discriminação é um ato desprezível.
Eu levei meu afilhado negro de sete anos a um aniversário infantil e grupo de crianças brancas o estavam discriminando desenvolvendo o bulling. Minha nossa, são crianças e nem tiveram tempo de conhecê-lo para julgá-lo... Prestemos atenção como estamos criando os nossos filhos. O futuro de nosso país. Como podemos exigir uma sociedade justa quando se quer semeamos justiça e igualdade dentro de nossos próprios lares?
A humanidade é racista. Mesmo os povos mais avançados, possuem pensamentos racistas não revelados. Tudo acontece de forma intrínseca. Temos que nos despir dos preconceitos que nos assolam, que insistem em nos rondar. Se condenarmos alguém por ser diferente, ou por não ser como a sociedade espera que sejam, podemos então imaginar que a ignorância esta vencendo a razão e isso condena qualquer sociedade.
Os padrões de beleza e estética, inteligência e até de riqueza, são bastante relativos. Entretanto, a sociedade é forte o suficiente para impor seus desejos, mas algumas pessoas conseguem driblar essas regras e viver com o corpo pelo qual elas optaram.
Nem sempre um gordo é preguiço com sua imagem, relaxado ou guloso. E mesmo que fosse, ele tem que ter o direito de escolher a forma como vai viver sua vida sem ser cobrado por isso. Afinal essa não é a tal liberdade que todos dizem que temos? A democracia?
Não é o gordo que precisa mudar e sim o olhar de quem o vê é que precisa aprender a enxergar a beleza humana que cada um possui. Os valores de cada um é que precisam estar sistematicamente em questão. O caráter e a dignidade é que precisam ser questionados, sempre!
Os gordos, os negros e as pessoas de um modo geral precisam definitivamente abrir mão das opiniões alheias para serem felizes. Quando elas conseguirem ultrapassar esta etapa, perceberão que o resto será muito fácil.
Dyandreia Portugal
É Escritora e Artista Plástica
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